sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Super Tuesday - faltam 5 dias

Fui assistir ao debate democrata neste restaurante, que é também uma livraria e que é, na gíria americana, provavelmente dos lugares mais "progressistas" de Washington DC. Descobri, ao chegar, que na próxima terça-feira o espaço será ocupado com uma espécie de festa had-oc da candidatura de Barack Obama -- e por isso antecipei que a clientela que enchia a sala-de-jantar voltada para a tela gigante onde passava o debate se animasse a cada palavra do senador do Illinois. E a mesa que acolhia o grupo maior — e que a certa altura já era uma espécie de arca de Noé onde cabia mais uma cadeira, mais um amigo, mais um computador, mais duas garrafas de vinho, num constante desafio aos dotes malabaristas dos empregados de mesa — rebentou em aplausos assim que Obama entrou em palco.
O meu plano parecia ligeiramente gorado, mas nada disso, a malta "sofisticada" do Busboys and Poets dedicou, sem reservas, exactamente a mesma atenção aos dois candidatos.
Para minha surpresa, as primeiras reacções de agrado foram mesmo dirigidas a Hillary Clinton, que viu o debate arrancar com perguntas sobre a saúde e a pertinência (ou não) de um plano de cobertura universal da população, o tema em que, aparentemente, leva mais vantagem do que Obama. Como sempre acontece, a senadora de Nova Iorque foi exaustiva nas suas explicações, quase pedagógica. Obama, que tem sido acusado de muita eloquência mas pouca substância, deu logo o sinal de que estava ali para se bater com as armas da adversária, desfiando números e esmiuçando propostas -- mas esse primeiro "round", uns longuíssimos 35 minutos, foi ganho aos pontos por Clinton.
Na mesa ao lado da minha, um "blogger" comentava o debate em tempo real. Só se levantava nos intervalos, e no primeiro lá foi ele até à mesa mais barulhenta, a que ocupava o centro da sala e o centro das atenções e que, do ponto de vista jornalístico, parecia ser a que tinha mais "história": afinal, agora estavam a bater mais palmas a Clinton. Antes da primeira interrupção a senadora parecia estar a aguentar-se melhor. Falou bastante mais tempo (ficou contudo a sensação de que a CNN lhe deu mais oportunidades de resposta), foi muito específica e segura e deu brilhantemente a volta à provocação de um telespectador, que notou que sempre que se votava para a presidência dos Estados Unidos se tinha que escolher ou um Clinton ou um Bush. "Foi preciso um Clinton para consertar a trapalhada de um Bush", reparou, num argumento arriscado e corajoso, que fez rir a plateia e só não a prejudicou porque Obama não teve hipótese de replicar.
Os comensais começavam a perder-se nas suas próprias conversas, como se concordando implicitamente que o espectáculo estava a ser bem mais aborrecido do que se esperava. Nada de emoção, de facas ou luvas ou outros adereços que costumam simbolizar o combate político. Tudo muito civilizado e cordato (estratégia, claro, mas depois do pão a malta queria o circo). Assim sendo, a plateia mantém-se serena e reserva os vivas para a diabolização dos republicanos. Ou então para o concurso "vamos-ver-quem-reconhece-mais-actores-de-
Hollywood-na-plateia". Será possível que esta gente tenha cativos no Kodak Theater?
Os espíritos animam-se quando o debate se volta para a discussão do Iraque. Agora é o momento de Barack Obama e ele não desperdiça a oportunidade. Duas frases que outra vez empolgam o povo da mesa grande: que está preparado para liderar sem errar no primeiro dia, e que não basta corrigir a estratégia para o fim da aventura iraquiana, há que mudar o quadro mental que leva a situações de guerra. Nesse ponto a sala inteira aplaude -- este "round" pertence indiscutivelmente a Obama, quase por KO.
Por isso no fim foi difícil perceber se as quase duas horas de discussão teriam importado ao ponto de fazer alguém mudar de ideia. Alguém ganhou o debate? Boa pergunta. Se calhar, o balanço da noite podia fazer-se com uma fórmula que não fugia muito disto: quem queria que Clinton fosse declarada vencedora, tinha argumentos para dizer que foi Clinton que ganhou; quem queria que Obama fosse declarado vencedor, tinha argumentos para dizer que foi Obama. Quem gostava de Hillary antes, não tinha porque não gostar depois. E quem antes batia palmas a Obama, continuava a bater palmas depois. À saída olho à volta e não há provas de gulodice nos restos deixados ao abandono na sala rapidamente deserta -- quase ninguém ficou para a sobremesa.

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