O New York Times, mais influente dos diários americanos, anunciou hoje as suas escolhas ("endorsements") para as primárias democrata e republicana: Hillary Clinton e John McCain.
Os editoriais em que o Times explica as suas escolhas são muito interessantes. Já lá vamos: antes, umas palavras sobre "endorsements".
Na tradição da imprensa europeia (com excepção dos britânicos), não é habitual os jornais pronunciarem-se sobre eleições. As páginas de opinião dos jornais trazem artigos apoiando um ou outro candidato, e esses artigos até podem ser assinados por jornalistas. Mas não representam o jornal, apenas os seus autores.
É essa a norma, por exemplo, do PÚBLICO. Aliás, na história recente da política portuguesa, só me recordo de um caso em que (exceptuando jornais partidários como o Avante! ou o Povo Livre) um jornal declarava o seu apoio expresso a um candidato: O Independente, que apoiou Marcelo Rebelo de Sousa contra Jorge Sampaio nas autárquicas de Lisboa de 1989.
Na tradição americana, é normal que um jornal se pronuncie sobre eleições. Essa prática é antiga, mas controversa - há quem a considere perigosa e/ou obsoleta.
Mas atenção: um "endorsement" não vincula a redacção de um jornal. Aliás, na maior parte da imprensa americana, a redacção não tem voto na matéria, e só sabe quem é que o seu jornal apoia no dia em que os editoriais são publicados.
Quem decide o "endorsement" é o "editorial board" - um conselho de composição variável mas que normalmente inclui os responsáveis pela página de opinião ("op-ed" ou "editorial") do jornal. No caso de grandes jornais como o Times ou de jornais mais pequenos em eleições locais, este conselho reúne com os candidatos para entrevistas privadas (isto é, que não são publicadas), analisa as várias opções, e depois pronuncia-se.
O "endorsement" não corresponde exactamente a uma declaração de voto - é um "apoio", uma declaração que diz "este é o candidato que melhor corresponde aos valores deste jornal".
Os "endorsements" têm importância eleitoral? Antigamente, sim; em algumas eleições a nível local ou estadual, em que os eleitores dispõem de pouca informação sobre os candidatos, ainda o têm; para as presidenciais, a sua relevância é limitada.
O Pew Center fez em 2004 uma análise extensa do impacto dos vários media na política contemporânea. Essa análise confirma que os jornais diários perderam (na América e não só) grande parte da sua importância central na vida política, de que disfrutaram durante muitas décadas.
Enfim: de volta ao Times. O editorial sobre o "endorsement" a Hillary: o "editorial board" do Times confessa-se algo indeciso entre Obama e Clinton, e até tem algumas palavras simpáticas para Edwards, mas acaba por pender para a senadora de Nova Iorque - em grande parte devido à sua experiência no estado onde o Times é publicado:
"Sabemos que [Clinton] é capaz de unir e liderar. Vimo-la a ir de cidade
para cidade no estado de Nova Iorque em 2000, incluindo a sítios onde atacar
Clintons é um desporto popular. Ela convenceu os eleitores cépticos, e
depois cumpriu as suas promessas, sendo facilmente reeleita em 2006."
O editorial do Times sobre os republicanos é mais interessante. O "editorial board" não se mostra muito entusiasmado com nenhuma das opções (o que é natural - o Times é conotado com o centro-esquerda), mas dá o seu "endorsement" a McCain:
"A escolha é fácil. O senador do Arizona John McCain é o único republicano
que promete acabar com o estilo de governação por e para uma franja [política]
pequena e zangada de George Bush."
Mas o fascinante é que mais de metade do editorial é dedicado a explicar porque é que o Times não apoia Rudy Giuliani, que foi "mayor" de Nova Iorque entre 1993 e 2001. E essa explicação é de uma violência absolutamente invulgar num editorial do normalmente contido Times:
"Porque é que um jornal de Nova Iorque não apoia (...) o homem que deu a
cara no 11 de Setembro, quando outros, incluindo o Presidente Bush, estavam
desaparecidos?
Esse homem não é candidato à presidência.
O verdadeiro Giuliani, que muitos nova-iorquinos conhecem e encaram com
desconfiança, é um homem vingativo, mesquinho e obsessivamente secretivo que não
via necessidade de limites ao poder policial. (...)
A sua arrogância e falta de bom senso são arrebatadoras (...)
O Rudolph Giuliani de 2008 transformou o horror do 11 de Setembro num
negócio lucrativo (...) e explorou o pesadelo da sua cidade e do país para
promover a sua campanha presidencial."
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