sábado, 26 de janeiro de 2008

Bill Clinton e os provérbios populares


A secção de voto de Meadow Lake foi improvisada numa sala do pavilhão do parque recreativo daquele subúrbio de Columbia, uma cidade que é basicamente um gigantesco campus universitário. Às nove da manhã treinavam as duas equipas de voleibol, masculina e feminina. À porta, demoravam-se três ou quatro pessoas que tinham acabado de votar, sem se incomodar com a chuva miudinha. Um dos observadores da votação dizia que estava tudo calmo e tranquilo, embora um pouquinho mais movimentado do que o habitual.
De repente, chegam quatro carrinhas em cortejo. Param à porta e ninguém sai. O pessoal acerca-se da entrada, curioso. Das duas carrinhas de trás saltam oito homens de fato e auscultadores nas orelhas, que correm para o interior do pavilhão. Outros dois plantam-se de cada um dos lados das portas de trás do segundo automóvel. "Quem é?", pergunta-me Sharon Hanks, uma professora negra que me dizia que nada a irritava mais do que esta espécie de assumpção universal do entusiasmo afro-americano com a candidatura de Barack Obama. "A mim que me importa que seja preto? As pessoas pretas têm que votar nos candidatos pretos? As pessoas brancas têm de votar nos candidatos brancos? Quando olho para ele penso: 'Mostra-me o que vales. Quero perceber em que é que és assim tão diferente que tenho que votar por ti. E sinceramente ainda não vi nada disso. Não vi nada que me faça faísca", explicava.
"Talvez seja Hillary Clinton", digo-lhe olhando para o movimento de guarda-costas — a campanha tinha avisado na véspera que a candidata podia aparecer de surpresa nalgumas secções de voto antes de partir para o Tennessee, de onde ia assistir aos resultados. O suspense mantém-se por uns minutos mais. Até que uma das portas se entreabre, e vejo uma cabeleira prateada. "Não, não é Hillary. Acho que é Bill", respondo. Entretanto, a porta do pavilhão está cheia de gente, com os telemóveis na mão prontos a disparar. "Quem é, quem é?".
Um congressista da Florida chega-se para dizer olá. Congratula-se com o interesse de um diário português nas primárias americanas. "Este é um grande país, não é?", pergunta, numa daquelas frases que são supostas ficar no ar, sem resposta. E então Bill Clinton sai finalmente do carro. Sem sequer dar tempo aos carros de exteriores, que já viravam a curva na direcção do estacionamento do parque, para cuspir os seus repórteres. O antigo Presidente vem direito a nós. "Então, que tal vai isso?", e estica a mão. Repara que trago as credenciais penduradas ao pescoço, quer saber se "está tudo a postos para mais uma noite comprida". A mão ainda agarra a minha, aperta agora só com um bocadinho mais de força. Sim, tudo. "E desculpas pela mão gelada", reparo. Clinton já seguia com os cumprimentos, mas vira a cabeça para trás. "Sabe o que eles dizem: mãos frias, coração quente". E juro que me piscou o olho.

3 comentários:

marco disse...

Estou a gostar bastante da forma como está a fazer o acompanhamento das primárias.
Este texto deixa perceber uma verdadeira satisfação pelo trabalho que está a realizar e eu, como leitor, gosto disso.

Parabéns e continue o bom trabalho.

Anónimo disse...

Eu, como leitor, gosto de livros.

Anónimo disse...

Olha por acaso não ias com o teu vestinho azul? ;))